quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Tempo da Travessia



Há um tempo 
em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos, 
que nos levam sempre aos mesmos lugares. 
É o tempo da travessia:
e se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado,
para sempre,
à margem de nós mesmos.

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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Carlos Drummond de Andrade



O mundo é grande
e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande
e cabe  na cama
e no colchão de amar.
O amor é grande
e cabe no breve espaço de beijar. 


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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Indios - Legião Urbana/Renato Russo


Quem me dera
Ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro
Que entreguei a quem
Conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora
Até o que eu não tinha

Quem me dera
Ao menos uma vez
Esquecer que acreditei
Que era por brincadeira
Que se cortava sempre
Um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda

Quem me dera
Ao menos uma vez
Explicar o que ninguém
Consegue entender
Que o que aconteceu
Ainda está por vir
E o futuro não é mais
Como era antigamente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Provar que quem tem mais
Do que precisa ter
Quase sempre se convence
Que não tem o bastante
Fala demais
Por não ter nada a dizer.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.
Quem me dera
Ao menos uma vez
Entender como um só Deus
Ao mesmo tempo é três
Esse mesmo Deus
Foi morto por vocês
Sua maldade, então
Deixaram Deus tão triste.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do iní­cio ao fim.
E é só você que tem
A cura do meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Acreditar por um instante
Em tudo que existe
E acreditar
Que o mundo é perfeito
Que todas as pessoas
São felizes...

Quem me dera
Ao menos uma vez
Fazer com que o mundo
Saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz
Ao menos, obrigado.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado
Por ser inocente.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.
E é só você que tem
A cura pro meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.


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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Luzes da Ribalta - Maria Bethânia



Vidas que se acabam, a sorrir

Luzes que se apagam, nada mais

É sonhar em vão, tentar aos outros, iludir

Se o que se foi, pra nós não voltará, jamais

Para que chorar o que passou

Lamentar perdidas ilusões

Se o ideal que sempre nos acalentou

Renascerá em outros corações




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Versão:Antonio Almeida/João de Barros

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Mãos dadas - Carlos Drummond de Andrade


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.



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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Motivo - Cecilia Meireles


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
 não sei, não sei. 
Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto.
E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
 mais nada.



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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Elegância - Martha Medeiros



Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara:
a elegância do comportamento.
É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que
abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.
É a elegância que nos acompanha da primeira
hora da manhã até a hora de dormir
e que se manifesta nas situações mais prosaicas,
quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto.
É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas
que elogiam mais do que criticam.
Nas pessoas que escutam mais do que falam.
E quando falam, passam longe da fofoca,
das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.
É possível detectá-la nas pessoas que
não usam um tom superior de voz ao se dirigir a frentistas.
Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores
porque não sentem prazer em humilhar os outros.
É possível detectá-la em pessoas pontuais.
Elegante é quem demonstra interesse
por assuntos que desconhece,
é quem presenteia fora das datas festivas,
é quem cumpre o que promete
e, ao receber uma ligação,
não recomenda à secretária que pergunte antes
quem está falando e só depois manda dizer
se está ou não está.
Oferecer flores é sempre elegante.
É elegante não ficar espaçoso demais.
É elegante não mudar seu estilo apenas
para se adaptar ao de outro.
É muito elegante não falar de dinheiro
em bate-papos informais.
É elegante retribuir carinho e solidariedade.
Sobrenome, jóias e nariz empinado
não substituem a elegância do gesto.
Não há livro que ensine alguém a ter
uma visão generosa do mundo,
a estar nele de uma forma não arrogante.
Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural
através da observação, mas tentar
imitá-la é improdutivo.
A saída é desenvolver em si mesmo a arte
de conviver, que independe de status social:
é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu,
que acha que com amigo não
tem que ter estas frescuras.
Se os amigos não merecem uma certa cordialidade,
os inimigos é que não irão desfrutá-la.
Educação enferruja por falta de uso.
E, detalhe: não é frescura.

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Soneto XVII - William Shakespeare


Se te comparo a um dia de verão

és por certo mais bela e mais serena.

O vento espalha as flores pelo chão

e a demora do estio é bem pequena.


Às vezes brilha o sol em demasia

outras vezes desmaia com frieza.

O que é belo declina num só dia,

na terna mutação da natureza.


Mas em ti o verão será eterno,

esse encanto que tens não perderás

nem chegarás da morte ao triste inverno.


Nestas linhas, com o tempo, crescerás,

e enquanto sobre a terra houver um ser

meus versos vivos te farão viver.


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